Publicado em: 29/10/2023 21:50:24
Atualizado: 30/10/2023 11:59:41
Logo de imediato quando decidi obter maior contato com a teoria marxista me deparei com esta confusão que circunda a utilização do termo materialismo, portanto neste texto vou buscar definir qual é o problema e tentar chegar a alguma conclusão.
Meu primeiro conflito referente ao materialismo foi na temática religiosa e rapidamente percebi que o tema dificulta muito a discussão teórica filosófica, então volto outra vez à escrita para poder desenvolver a conceitualização com o tempo de pensamento que a complexidade das ideias pedem.
Segundo Stalin, “O materialismo dialético é a concepção filosófica do Partido marxista-leninista. Chama-se materialismo dialético, porque o seu modo de abordar os fenômenos da natureza, seu método de estudar esses fenômenos e de concebê-los, é dialético, e sua interpretação dos fenômenos da natureza, seu modo de focalizá-los, sua teoria, é materialista.
O materialismo histórico é a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao estudo da vida social, aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história.”1
Materialismo é a conceitualização filosófica de que a realidade, a existência e origem humana e do universo, tem como base inicial a matéria física.
Outra citação interessante são as palavras finais da segunda edição do primeiro tomo de "O Capital", do próprio Karl Marx: “Meu método dialético não só é fundamentalmente diverso do método de Hegel, mas é, em tudo e por tudo, o seu reverso. Para Hegel o processo do pensamento que ele converte inclusive em sujeito com vida própria, sob o nome de ideia, é o demiurgo (criador) do real e este, a simples forma externa em que toma corpo. Para mim, o ideal, ao contrário, não é mais do que material, traduzido e transposto para a cabeça do homem”.
Percebe como hoje temos uma concepção um pouco mais complexa deste assunto?
Não são ‘ideias’, vejo muito este debate no marxismo, que o idealismo é um mundo de ideias. O problema do materialismo é que ele não consegue encontrar, definir ou explicar a consciência, a neurociência não consegue, a psicologia e a psiquiatria também não conseguem.
Vou trazer novamente as palavras de Stalin para discussão:
“É falsa a concepção segundo a qual o aspecto ideal, e, em geral, a consciência, precede em seu desenvolvimento ao desenvolvimento do aspecto material. Quando não havia ainda seres vivos, já existia a chamada, natureza exterior, "não viva". O primeiro ser vivo não possuía consciência alguma, possuía somente a propriedade da irritabilidade e os primeiros rudimentos da sensação.”
Isso foi escrito em 1907, é preciso compreender os avanços que foram realizados na ciência durante os últimos 116 anos, neste trecho Stalin se refere ao primeiro ser vivo, que também é conhecido atualmente como o último ancestral comum desconhecido (Last Unknown Common Ancestor - LUCA) como originado espontaneamente a partir da matéria inerte, mas em que momento a ciência provou isso? Segundo esse mesmo raciocínio, todos nossos sentimentos, pensamentos e sensações são frutos de um curto circuito no nosso cérebro? É uma visão bem reducionista. É o mesmo pensamento que baseia a psiquiatria na defesa do desequilíbrio químico no cérebro como causa do sofrimento psíquico. Poderia chamar de idealismo dizer que a natureza é una e indivisível se seguirmos o fisicalismo até o fim, porque o átomo era originalmente tomado como a peça menor e indivisível pela qual tudo se construía, e separamos o átomo em partículas sub atômicas, os elétrons, nêutrons e prótons, acreditávamos ter chegado ao indivisível, mas logo os nêutrons e prótons foram quebrados em quarks e píons, assim como os elétrons também são divisíveis em neutrinos, mas os neutrinos são subpartículas que não tem carga elétrica e nem massa, ainda estamos no ambiente material a este ponto?
Quando a física quântica diz que tudo é ao mesmo tempo onda e partícula2, com os dualistas enxergando tudo como em determinado momento como onda e em outros, como partícula e seguindo o monismo da realidade una e indivisível, aquela realidade que é ao mesmo tempo onda e partícula, mente e matéria, simultaneamente.
Então o materialismo diz que a matéria gera como fenômenos secundários a consciência e o idealismo diz que a consciência produz como fenômeno secundário a matéria. Já o pampsiquismo defende que há uma integração entre consciência e matéria sem a qual a realidade não existiria.
Chalmer em 1995 descreve pela primeira vez o ‘problema difícil da consciência’3, a incoerência interna do materialismo, dado que define-se matéria como aquilo que é completamente isento de qualidades e totalmente quantitativo, ou seja, mensurável fisicamente, seja por carga elétrica, massa, momentum, spin, etc. e tentamos derivar a consciência e a subjetividade metafísica que são fenômenos por essência qualitativos daquilo que precisamente definimos como por essência, quantitativos.
Este é o problema que o Pampsiquismo tentou resolver, que já foi apresentado anteriormente, assim como também é o caso do Idealismo analítico, que vou descrever mais à frente.
A Nasa diz que apenas 5% do Universo é constituído de matéria, 27% de matéria escura e 68% de energia escura4.
O professor Carlos Eduardo Maldonado da faculdade de medicina da universidad El Bosque de Bogotá, Colômbia, traz uma forte defesa do pampsiquismo para conciliar a realidade material com a consciência através da teoria quântica em seu artigo “Quantum physics and consciousness: a (strong) defense of panpsychism”5, ou “Física Quântica e consciência: uma (forte) defesa do pampsiquismo”, de 2018. Neste artigo o professor resgata os conceitos ancestrais de mãe natureza, pacha mamma, gaia, entre outros, para defender a consciência onipresente do Universo, vale lembrar que a Colômbia reconhece legalmente os direitos dos ecossistemas6, e defende que a consciência é uma parte constitutiva e importante sem a qual a realidade não existiria. Isso não é uma defesa de que a consciência gera a realidade, mas sim que realidade é o produto do entrelaçamento quântico entre consciência e matéria.
Bernardo Kastrup, defensor do Idealismo analítico7, diz que o pampsiquismo é apenas uma complexificação do fisicalismo sem de fato trazer uma nova explicação, de forma a driblar o problema difícil da consciência, um fisicalismo 2.0, por assim dizer. E que não oferece explicação de como uma consciência menor se complexifica em consciências de níveis maiores, já que intrinsecamente toda matéria teria consciência, nesse sentido, um elétron teria consciência e nós seríamos a soma de infinitas centelhas de consciência de toda a matéria do nosso corpo. Porém não explica como isso ocorre.
Enquanto defende em seu idealismo analítico que a consciência é tudo que existe e que a realidade material é a maneira que a evolução nos concedeu de perceber a realidade, já que alguns cenários como experiências de quase-morte, terapias com psicodélicos e outros, experiências não correspondem com atividade cerebral, mostrando que a experiência ocorre independente do cérebro, porém claramente que quando se analisa o cérebro, a atividade cerebral pode ser analisada de forma a traduzir pensamentos em ações para um exoesqueleto robótico, pois a atividade cerebral representa fisicamente a experiência de movimentação.
Para o Idealismo analítico, o Universo é mental, é a consciência universal, isso não é uma defesa religiosa de Deus, não significa que seja autoconsciente ou mesmo consciente. E utiliza de um conceito mental conhecido pela psiquiatria que é a dissociação, antigamente conhecida como ‘transtorno de múltiplas personalidades’, a capacidade da consciência de se dissociar em fragmentos menores e separados com acesso a memórias, conhecimento, experiências e personalidades distintas entre si, mesmo que ainda sendo parte da mesma consciência ou indivíduo. Desta forma, o Universo se dissocia em indivíduos, nós. Já o mundo material é a barreira dissociativa entre nós, nossas percepções individuais e o Universo.
Melhor dizendo, o mundo material é fruto das nossas percepções como animais experienciando o mundo, para competir por alimentos e sobreviver, a evolução não teria como representar a complexidade da realidade da forma que ela realmente é, mas por uma representação.
Espiritualmente falando, acredito que cada religião tenha tido sua origem em uma análise fruto do contexto histórico, cultural e temporal daquela sociedade, e as religiões então se transformam em instituições e armas de controle social e político, e aqui nessa situação já ocorreu uma dissociação novamente entre o significado e o significante, o representado e o representante.
Neste caso da religião, como o humano está controlando o representante (instituição religiosa), a instituição toma forma própria e se distancia à revelia do significado.
Já a dissociação entre Universo mental e mundo físico não tem necessariamente uma autoconsciência de forma a ser um deus criador e controlador da realidade, é como a visão pampsiquista de que o Universo é Deus, a consciência universal, agora não estamos definindo este Deus sob termos de nenhuma religião, por isso o termo consciência universal se mostra mais adequado.
Isso também não quer dizer que a maneira que o materialismo histórico dialético utiliza para analisar a realidade material na qual vivemos todos como dissociações da consciência universal está equivocada, só não limita a realidade à matéria. É um tipo de idealismo pois nesta visão não existe matéria além da percepção dos nossos sentidos, o que não significa que os eventos que os nossos sentidos percebem como eventos físicos não ocorram na realidade, como um furacão, por exemplo. Mas é um fenômeno que ocorre no Universo e se apresenta para a nossa percepção como um evento físico.
Tá, e quais as implicações de tudo isso para o movimento marxista? Que tem aqui para se ganhar pela classe trabalhadora?
Bom, primeiro que tenta dar uma conciliação entre os conceitos de materialismo e idealismo, separando-os em escopos distintos, porque por mais que seja tomado como ‘vitorioso’ na explicação do Universo, o Idealismo analítico não nega a importância do materialismo histórico e dialético para explicar o mundo físico, material, no qual vivemos.
Removendo essa idolatração do materialismo sem negar a sua importância na análise da realidade material abre portas para a melhor recepção da teoria marxista, seja por filósofos adeptos ao idealismo ou por religiosos e/ou espiritualistas, sejam estes adeptos do espiritismo, da umbanda, candomblé, budismo ou hinduísmo, pois o materialismo nega a existência do idealismo, a existência da consciência além da matéria, que é parte importante da subjetivação de tais religiões. Enquanto o idealismo oferece a consciência como origem do universo e o mundo físico, a matéria, como maneira de percebermos a realidade e o materialismo histórico dialético é exatamente isto, a maneira de analisar e explicarmos a realidade material na qual vivemos, a realidade material é uma representação confiável do representado, assim que o marxismo não precisa abandonar o materialismo histórico dialético para reconhecer isto.
Acho isso um passo importante para aumentar a aceitação entre as pessoas, suas crenças pessoais e evitar que isso se torne um empecilho na organização política dessas pessoas devido a um conceito filosófico.
2: Dualidade onda-partícula - Brasil Escola
3: Facing Up to the Problem of Consciousness - David J. Chalmers
4: Dark Energy, Dark Matter - NASA
5: Quantum physics and consciousness: a (strong) defense of panpsychism - Carlos Eduardo Maldonado
6: A natureza como sujeito de direitos: uma verdadeira solução? - Agência Jovem de Notícias
7: Analytic Idealism: A consciousness-only ontology - Bernardo Kastrup
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